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Friday, June 1, 2018

A força da família


* Por Carla de Miranda e Igor Sant'Anna


Já há um tempo que estamos nos desescolarizando. Assumimos essa caminhada quando juntos resolvemos nos unir para viver da nossa arte. Fomos morar no bairro de Pituaçú (Ssa-BA) e pagar o aluguel e as contas a partir do dinheiro arrecadado no chapéu das nossas apresentações de rua.

Primeiro veio a dupla de palhaços, a conexão, os sentimentos, a convergência de objetivos e um filho. Ficamos grávidos depois de unidos pela arte e a necessidade inadiável de viver na prática o nosso sonho, agora veio missão da maternidade e paternidade.

Nossa sintonia guiou. Nunca combinamos nem tentamos convencer um ao outro sobre como criar nosso filho. Simplesmente confiamos em nossa intuição.

A desescolarização já era um processo em nós, mesmo sem sabermos. Tínhamos uma intuição muito forte sobre os malefícios do processo escolar e encontramos Ana Thomaz. Foi um encontro mágico que só veio confirmar nosso caminho e nos dar forças para as nossas práticas.

A sensação é que encontramos alguém da nossa tribo.

É muito bom quando encontramos alguém da nossa tribo. É quando merecemos ver nos outros o espelho do que galgamos em nós. É a confirmação do nosso caminho.

Já tínhamos anos sem encontrar um espelhamento assim e fomos encontrar  na cidade de Jacobina (BA). Uma família linda, colocando em prática cotidiana a desescolarização, assim como nós.

E foi um momento de união inter-familiar. Nos identificamos e convivemos 4 dias como se já nos conhecêssemos há anos. Mais gente de nossa tribo...

Um casal que teve a sensibilidade de dar o salto.

Uma professora que larga o sistema escolar e tira os filhos da escola optando conviver com os próprio filhos ao invés de ficar na esteira da terceirização do cuidar, loucuras da nossa sociedade moderna.

Um pai que sustenta essa decisão com firmeza e leveza.

Um casal que transmuta o cotidiano e passa a fazer teatro com os filhos e a montar juntos, em família, uma peça teatral.

Uma família que se conecta com a natureza cotidianamente, que materializa sua mudança, indo viver num sitio construído por eles mesmos, galgando estratégias para estar mais e mais tempo auto conectados.

Mais uma confirmação na nossa caminhada. Ficou muito claro que é preciso mais que coragem para dar esse salto, pois a mudança é simples e vem com a consciência. Essa mudança é só para quem tem sensibilidade o bastante para se livrar das anestesias sócio psicológicas contemporâneas.

Talvez seja preciso coragem não para dar o salto da mudança de paradigma, mas sim para ver. Para olhar nossa vida e ver que tá tudo errado e admitir que passou da hora de mudar. Está na hora de re-existir.

Talvez seja preciso coragem para assumir nosso lugar de humildade e abandonar o posto de quem sabe. Admitir que não sabemos realmente de nada e que tudo é novo e que mesmo vendo tudo errado, devemos admitir que tudo está dando certo sempre, mesmo quando está errado.

Há coragem em abandonar alguns aspectos do nosso ego e admitir que não temos respostas para todas as perguntas. Não sabemos onde vamos parar e precisamos assumir o risco simplesmente porque sabemos qual caminho não trilhar.

Mas acima de tudo, confirmamos que é preciso coragem para assumir uma família. Manter nosso papel de firmeza e responsabilidade, de guia de nossos filhos enquanto temos o prazer de vê-los crescerem na vida, ver crescer sua presença e ver sua grandiosidade nos orientar. 

Ver que estamos sujeitos a errar e que só errando e assumindo a responsabilidade por nossos erros podemos evoluir.

Vimos que isso tudo conseguimos dentro da força de família. Mas não aquela falsa ideia de família forjada a partir do patriarcalismo. Também não é um tipo de família baseada na super-performance e competitividade de gênero, nas disputas sobre quem tem o poder, quem toma decisões, na guerra entre o machismo e o feminismo. 

É preciso coragem para abandonar um pouco dos nossos desejos egoístas para um bem maior, o bem de nossa família. 

Abandonar nossos medos e receios para escutar a sensibilidade dos novos mundos que nossas crianças nos propõem. 

Abandonar a velha forma de enxergar o mundo disseminadas em massa e diversas vezes disfarçadas de revolucionárias.

Encontrar a nós mesmos no outro e ver na convivência uma grande possibilidade de aprendizado pra nós mesmos, o que só acontece quando admitimos 100% de nossa responsabilidade ao que acontece a nossa volta.