* Por Carla de Miranda e Igor Sant'Anna
Já há um tempo que estamos
nos desescolarizando. Assumimos essa caminhada quando juntos resolvemos nos
unir para viver da nossa arte. Fomos morar no bairro de Pituaçú (Ssa-BA) e
pagar o aluguel e as contas a partir do dinheiro arrecadado no chapéu das nossas
apresentações de rua.
Primeiro veio a dupla de
palhaços, a conexão, os sentimentos, a convergência de objetivos e um filho.
Ficamos grávidos depois de unidos pela arte e a necessidade inadiável de viver
na prática o nosso sonho, agora veio missão da maternidade e paternidade.
Nossa sintonia guiou. Nunca
combinamos nem tentamos convencer um ao outro sobre como criar nosso filho.
Simplesmente confiamos em nossa intuição.
A desescolarização já era um
processo em nós, mesmo sem sabermos. Tínhamos uma intuição muito forte sobre os
malefícios do processo escolar e encontramos Ana Thomaz. Foi um encontro mágico
que só veio confirmar nosso caminho e nos dar forças para as nossas práticas.
A sensação é que encontramos
alguém da nossa tribo.
É muito bom quando
encontramos alguém da nossa tribo. É quando merecemos ver nos outros o espelho
do que galgamos em nós. É a confirmação do nosso caminho.
Já tínhamos anos sem
encontrar um espelhamento assim e fomos encontrar na cidade de Jacobina (BA). Uma família linda,
colocando em prática cotidiana a desescolarização, assim como nós.
E foi um momento de união
inter-familiar. Nos identificamos e convivemos 4 dias como se já nos
conhecêssemos há anos. Mais gente de nossa tribo...
Um casal que teve a sensibilidade de dar o
salto.
Uma professora que larga o sistema escolar e
tira os filhos da escola optando conviver com os próprio filhos ao invés de
ficar na esteira da terceirização do cuidar, loucuras da nossa sociedade
moderna.
Um pai que sustenta essa decisão com firmeza e
leveza.
Um casal que transmuta o cotidiano e passa a
fazer teatro com os filhos e a montar juntos, em família, uma peça teatral.
Uma família que se conecta
com a natureza cotidianamente, que materializa sua mudança, indo viver num
sitio construído por eles mesmos, galgando estratégias para estar mais e mais tempo auto
conectados.
Mais uma confirmação na
nossa caminhada. Ficou muito claro que é preciso mais que coragem para dar esse
salto, pois a mudança é simples e vem com a consciência. Essa mudança é só para
quem tem sensibilidade o bastante para se livrar das anestesias sócio
psicológicas contemporâneas.
Talvez seja preciso coragem
não para dar o salto da mudança de paradigma, mas sim para ver. Para olhar
nossa vida e ver que tá tudo errado e admitir que passou da hora de mudar. Está
na hora de re-existir.
Talvez seja preciso coragem
para assumir nosso lugar de humildade e abandonar o posto de quem sabe. Admitir
que não sabemos realmente de nada e que tudo é novo e que mesmo vendo tudo
errado, devemos admitir que tudo está dando certo sempre, mesmo quando está
errado.
Há coragem em abandonar alguns aspectos do nosso ego e admitir que não temos respostas para todas as perguntas. Não
sabemos onde vamos parar e precisamos assumir o risco simplesmente porque
sabemos qual caminho não trilhar.
Mas acima de tudo,
confirmamos que é preciso coragem para assumir uma família. Manter nosso papel
de firmeza e responsabilidade, de guia de nossos filhos enquanto temos o prazer de vê-los
crescerem na vida, ver crescer sua presença e ver sua grandiosidade nos
orientar.
Ver que estamos sujeitos a errar e que só errando e assumindo a
responsabilidade por nossos erros podemos evoluir.
Vimos que isso tudo
conseguimos dentro da força de família. Mas não aquela falsa ideia de família
forjada a partir do patriarcalismo. Também não é um tipo de família baseada na
super-performance e competitividade de gênero, nas disputas sobre quem tem o
poder, quem toma decisões, na guerra entre o machismo e o feminismo.
É preciso coragem para
abandonar um pouco dos nossos desejos egoístas para um bem maior, o bem de
nossa família.
Abandonar nossos medos e receios para escutar a sensibilidade
dos novos mundos que nossas crianças nos propõem.
Abandonar a velha
forma de enxergar o mundo disseminadas em massa e diversas vezes disfarçadas de
revolucionárias.
Encontrar a nós mesmos no outro e ver na convivência uma grande possibilidade de aprendizado pra nós mesmos, o que só acontece quando admitimos 100% de nossa responsabilidade ao que acontece a nossa volta.
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